Transportes de cargas: a guerra fria entre Embarcadores x Transportadores – saiba quem perde com isso

O que já alavancou carreiras nas últimas décadas, poderá acabar com outras de agora em diante. A busca descontrolada pela redução dos custos logísticos pode ser o grande tiro no pé dos gestores de grandes e pequenas empresas.

Será que ainda existe espaço para se enxugar o frete? É possível pressionar as transportadoras para baixar ainda mais os preços? Qual será o limite para a redução dos custos com o transporte rodoviário de cargas?

Transitarei aqui por uma linha muito tênue que, no transporte, separa o sucesso do fracasso total. Talvez, muitos quando forem expostos às ideias aqui discutidas, fiquem em dúvida sobre a coesão dos fatos, pois “todos” estão, como em um efeito manada, indo à uma mesma direção, entretanto, é preciso cautela sobre as implicações deste lugar comum.

Uma pesquisa divulgada pela Associação Brasileira de Logística (Abralog) mostra uma guerra fria entre embarcadores de carga e transportadores por causa da negociação de fretes:

O levantamento Visão Gestão de Fretes Brasil 2016, que já está em segunda edição, dá conta de que 94% dos embarcadores pesquisados reduziram a conta frete, enquanto 60% das transportadoras não conseguiram reajuste – e entre as que conseguiram, 88% reajustaram abaixo da inflação.

Empresas e gestores de sucesso trabalham a redução de custos logísticos, especialmente o transporte que é a parte de maior valor, chegando a até 70% dos custos. Encontrar o menor custo para realizar a entrega perfeita é vital para que o negócio se mantenha saudável e competitivo. No entanto, há um fator de importância astronômica que se deve levar em conta no momento de reduzir os custos com transporte: os níveis de serviços.

Os custos logísticos aumentam proporcionalmente ao nível de serviço oferecido ao cliente. Em síntese, se quer que o cliente seja bem atendido (e aconselho que essa seja uma obsessão), atente-se para os níveis de serviços ao seu cliente.

Deve-se em todo tempo encontrar o custo ideal, mas sempre prezando pelo atendimento do nível de serviço especificado.

A logística de distribuição é um campo extremamente fértil para reduzir custos, e, em boa parte das empresas o dinheiro escorre pelo ralo, literalmente. Principalmente aquelas que ainda não estruturaram uma área logística de transportes. Faz-se necessário repetir que encontrar o custo ideal da entrega é preciso, e, é um grande diferencial competitivo de qualquer negócio.

Mas talvez seja hora de repensar essa correria pela redução a qualquer custo. Por conta de toda pressão pela redução no preço dos fretes: leilões (BID’s) e ofertas no estilo quem dá menos; como em uma feira livre, o mercado de fretes já está extremamente prostituído. Transportadoras são obrigadas a aceitar as imposições para se manterem vivas — brigando umas com as outras pelo cliente; um verdadeiro canibalismo sem precedentes.

Digo sem medo de errar que a coisa já está insustentável e tende a piorar ainda mais.

A Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), através do Registro Nacional de Transportadores Rodoviários de Carga (RNTRC) registrou 489.387 transportadores de carga para terceiros no Brasil, cadastro iniciado em 2009.

Do total de registros emitidos, 417.957 são de transportadores autônomos, 71.227 são de empresas de transporte de cargas e 203 são das cooperativas (Também foram registrados 1.329.390 veículos transportadores de carga para terceiros no Brasil).

Tamanha oferta de transporte regula o mercado “a favor” da empresa que contrata o frete, mas acendo aqui uma luz de atenção: existem transportadores e transportadores, o barato pode sair muito caro quando se contrata uma transportadora pelo preço e não pelo valor que pode oferecer:

O barato que sai caro — contratar transportadora pelo preço e não pelo valor

Em um cenário econômico inflacionário e de extrema incerteza como o que vivemos atualmente, o fato de 94% de embarcadores conseguirem reduzir seus custos com fretes, em detrimento de 60% de transportadoras que não conseguem nem mesmo repassar os custos da inflação e/ou, a pequena parcela dos que conseguem reajustam abaixo dela, força o “sistema” a deteriorar a qualidade do serviço oferecido por conta de uma situação obvia: a defasagem dos custos.

Afinal de contas, não tem milagre na composição dos custos de transporte. Uma transportadora pode até conseguir fazer um custo menor que a outra por ter estrutura mais enxuta, optando por margens menores, apostando em maior volume e fazendo gestão de sua frota no detalhe. Mas fora isso, existe um custo mínimo que se aplica a todas de igual modo…

…[a tarifa de frete é composta pelo frete peso, pelas DATs: despesas administrativas e de terminais, pelo ad-valorem (ou frete valor), pela GRIS: taxa de gerenciamento de risco, pelas taxas adicionais; conhecidas como generalidades, impostos e pelo lucro. Sem isso não há condições de se oferecer qualidade no atendimento e na entrega].

O PREÇO EM DETRIMENTO DA QUALIDADE

Quando o serviço da entrega é marginalizado, departamentos como vendas/customer service e logística tornam-se inimigos. O clima fica tenso quando os pedidos de vendas não são bem atendidos, gerando ruídos sem precedentes:

— A logística não entregou, demorou a chegar com a carga e o cliente comprou do concorrente. As entregas aconteceram com atrasos, com avarias e em quantidades menores. Não há informação da carga, a rastreabilidade é zero, o cliente está vendido na situação. Os agendamentos, paletização e lead times nunca são respeitados, etcetera, etcetera e etcetera.

Enfim, problemas, desculpas, rupturas, falhas e a reputação com o cliente indo ladeira abaixo. Pergunto a você caro leitor — quem perde com todos esses problemas? A transportadora, o cliente ou a empresa?

Não há dúvidas que todos perdem, mas perde mais com todos os problemas com a entrega a empresa embarcadora que, por não oferecer ao cliente uma experiência de compra, perderá seu cliente que passará a comprar de outra empresa que valorize a experiência da entrega.

As transportadoras daqui alguns anos não terão capital para renovação de frota e investimento em tecnologia — perderão espaço, portas serão fechadas; cedendo espaço para as gigantes do transporte. E aí com certeza os embarcadores se verão na situação de pagar muito mais por um frete do que se paga hoje.

FUJA DA ARMADILHA DA REDUÇÃO DE CUSTOS A “QUALQUER CUSTO”

Não caia na armadilha de escolher o mais barato ou forçar os provedores logísticos a baixarem seus custos de qualquer maneira. O bom gestor faz contas junto com o transportador e encontra a precificação justa de frete para cada operação.

Seu cliente merece a melhor entrega: rápida, completa, na qualidade e quantidade que ele espera. Não é patrocinando uma guerra fria; prostituindo o mercado com pressão pela baixa do frete e canibalizando seus parceiros que conseguirá isso.

Pague o justo. Garanta que o prestador de serviços, que representa sua marca no ato da entrega, tenha rentabilidade no serviço prestado, assim seus níveis de serviços serão aqueles determinados por sua estratégia de marketing, os problemas com entregas ficarão no passado e cada vez mais seu produtos ganharão espaço e seu negócio ou carreira irá de vento em poupa.

Até a próxima!

Achiles Rodrigues